Minha
adoração por arte barroca brasileira me levou, desde os tempos da
Faculdade de Artes, a investigar como se dá a conexão entre arte
sacra e artistas desinteressados por religiosidade. Basta uma olhada
na linha do tempo para constatar que o homem já expressava -
artisticamente - seus anseios e angústias muito antes do surgimento
do cristianismo. Portanto há um valor intrínseco na obra, que
prescinde da função de adoração.
Encarando
a dificuldade de apreciar a iconografia do budismo tibetano com
aquele excesso de cores primárias, criaturas disformes e o granel de
simbologias ocupando um mesmo espaço, comecei um mergulho na arte
budista.
Começando pela representação do próprio Sidarta e o início da estória: “durante sete semanas, em busca da iluminação, Buda sentou-se embaixo da árvore bodhi para meditar e, claro, permaneceu em jejum”.
Enquanto
imagens de Buda sentado quase sempre o retratam com um físico são,
algumas raras esculturas concentram-se em ilustrar a realidade do seu
corpo esquálido.
Esta
semana, por causa de um leilão de arte
de Gandhara,
feito pela Casa de Leião alemã Auctionata, veio a público uma
escultura de xisto cinzento da antiga região de Gandhara, conhecida
como o 'Buda Emaciado' ou “Buda Emagrecido”. Arne Sildatke,
especialista em arte asiática, explicou que são raras as esculturas
de Buda Emagrecido, especialmente as de tamanho que se aproximem do
natural.
Datada dos séculos
2 ou 4, a obra mede pouco mais de um metro.
Mesmo com a caixa torácica à mostra, ombros ossudos, tendões, veias nervosas e uma magreza esculpida capaz de chocar, o Buda ainda transmite a força — física e mental — sempre encarnadas nas representações mais típicas do mestre iluminado.
De
acordo com Sildatke, "numa perspectiva intercultural, a
representação do Buda magro pode ser comparada às imagens do
Cristo crucificado, no que se refere à sua importância religiosa.
Porém não é um símbolo de morte e ressurreição, mas de
autoempoderamento, e de superação do sofrimento do espírito
humano. É um manifesto sobre a inacreditável força de vontade e
dedicação do Buda e, portanto, uma imagem icônica para os
seguidores do caminho budista".
Existem
outros Budas Magros conhecidos espalhados pelo mundo: o Museu de
Lahore, no Paquistão possui em seu acervo um deslumbrante exemplar
de barba longa – refletindo o ascetismo do Buda. Versões
fragmentadas são encontradas em coleções institucionais, como a do
Metropolitan que, infelizmente sem cabeça, revela muita atenção
aos detalhes anatômicos do corpo humano.
Muito
do poder destas obras de arte, que evocam a devoção do Buda à
busca pela sabedoria, decorre do uso que os artistas fizeram das
linhas e incisões profundas — uma característica da arte
gandharana
que resultou de um diálogo cultural entre Oriente e Ocidente.
"Foi
na antiga região de Gandhara (hoje Paquistão/Afeganistão), que as
artes do subcontinente indiano fundiram-se com a arte helenística,
levada para a região por Alexandre, o grande e seus sucessores",
explica Sildatke
"O
fascínio pelo corpo humano e uma estreita observação naturalista
da forma humana encontram-se na arte helenística e na tradição das
esculturas indianas. Na arte gandharana,
numa fusão cultural entre Oriente e Ocidente, estas tradições se
mesclam num estilo único e expressivo".