sábado, 17 de dezembro de 2016

Arte e Representação: A expressão rara do Buda Magro

Minha adoração por arte barroca brasileira me levou, desde os tempos da Faculdade de Artes, a investigar como se dá a conexão entre arte sacra e artistas desinteressados por religiosidade. Basta uma olhada na linha do tempo para constatar que o homem já expressava - artisticamente - seus anseios e angústias muito antes do surgimento do cristianismo. Portanto há um valor intrínseco na obra, que prescinde da função de adoração.


Encarando a dificuldade de apreciar a iconografia do budismo tibetano com aquele excesso de cores primárias, criaturas disformes e o granel de simbologias ocupando um mesmo espaço, comecei um mergulho na arte budista. 


Começando pela representação do próprio Sidarta e o início da estória: “durante sete semanas, em busca da iluminação, Buda sentou-se embaixo da árvore bodhi para meditar e, claro, permaneceu em jejum”.

Enquanto imagens de Buda sentado quase sempre o retratam com um físico são, algumas raras esculturas concentram-se em ilustrar a realidade do seu corpo esquálido.

Esta semana, por causa de um leilão de arte de Gandhara, feito pela Casa de Leião alemã Auctionata, veio a público uma escultura de xisto cinzento da antiga região de Gandhara, conhecida como o 'Buda Emaciado' ou “Buda Emagrecido”. Arne Sildatke, especialista em arte asiática, explicou que são raras as esculturas de Buda Emagrecido, especialmente as de tamanho que se aproximem do natural.

Datada dos séculos 2 ou 4, a obra mede pouco mais de um metro.




Mesmo com a caixa torácica à mostra, ombros ossudos, tendões, veias nervosas e uma magreza esculpida capaz de chocar, o Buda ainda transmite a força — física e mental — sempre encarnadas nas representações mais típicas do mestre iluminado.

De acordo com Sildatke, "numa perspectiva intercultural, a representação do Buda magro pode ser comparada às imagens do Cristo crucificado, no que se refere à sua importância religiosa. Porém não é um símbolo de morte e ressurreição, mas de autoempoderamento, e de superação do sofrimento do espírito humano. É um manifesto sobre a inacreditável força de vontade e dedicação do Buda e, portanto, uma imagem icônica para os seguidores do caminho budista".

Existem outros Budas Magros conhecidos espalhados pelo mundo: o Museu de Lahore, no Paquistão possui em seu acervo um deslumbrante exemplar de barba longa – refletindo o ascetismo do Buda. Versões fragmentadas são encontradas em coleções institucionais, como a do Metropolitan que, infelizmente sem cabeça, revela muita atenção aos detalhes anatômicos do corpo humano.



Muito do poder destas obras de arte, que evocam a devoção do Buda à busca pela sabedoria, decorre do uso que os artistas fizeram das linhas e incisões profundas — uma característica da arte gandharana que resultou de um diálogo cultural entre Oriente e Ocidente.

"Foi na antiga região de Gandhara (hoje Paquistão/Afeganistão), que as artes do subcontinente indiano fundiram-se com a arte helenística, levada para a região por Alexandre, o grande e seus sucessores", explica Sildatke

"O fascínio pelo corpo humano e uma estreita observação naturalista da forma humana encontram-se na arte helenística e na tradição das esculturas indianas. Na arte gandharana, numa fusão cultural entre Oriente e Ocidente, estas tradições se mesclam num estilo único e expressivo".