Saramago admite que escrever seu novo livro não foi nada fácil
Bolívar Torres, Jornal do Brasil
RIO - Perto de completar 86 anos, o escritor português José Saramago admite: escrever seu último livro, A viagem do elefante, não foi nada fácil. Enfrentando graves problemas de saúde, o Prêmio Nobel de Literatura de 1998 achou que talvez não conseguisse completá-lo.
A obra se apropria de um episódio histórico curioso do século 16, quando um elefante asiático chamado Salomão foi obrigado, por caprichos reais, a percorrer metade da Europa. Como sempre, o escritor faz de sua história uma metáfora sobre a humanidade, carreada de humor corrosivo.
Em entrevista ao Jornal do Brasil, o romancista fala sobre estilo literário, política e sua atividade como blogueiro.
O que o atraiu tanto nesse episódio histórico?
O absurdo da situação. Não será absurdo que o rei D. João III tenha feito um presente ao arquiduque da Áustria e que esse presente tenha sido um elefante, que ainda teve de percorrer os milhares de quilômetros que separam Lisboa de Viena? É algo que nenhum romancista talvez se atrevesse a inventar. E no entanto aconteceu. Sendo este o romancista, era inevitável que a viagem de Salomão se transformasse em metáfora. Em metáfora da vida humana, quero dizer.
O senhor enfrentou uma grave doença. Chegou a duvidar que pudesse terminar o livro?
Era uma possibilidade, mas, no fundo, não obstante a extrema gravidade da doença, confiava em que de possibilidade não passasse. Foi assim, felizmente. No próprio dia em que saí do hospital, reduzido a uma sombra de mim mesmo, recomecei a trabalhar no livro. E ele aí está.
A capacidade de rir de si mesmo é uma maneira de salvar a humanidade ou de dignificá-la?
A dignificação chega pela responsabilidade. Tornemo-nos responsáveis. Depois poderemos rir-nos do que quisermos, incluindo a nossa própria pessoa.
O tema do livro lembra um conto de Mark Twain, 'O roubo do elefante branco'...
Não conheço esse conto, e ainda bem, porque, se o conhecesse, é bem possível que minha Viagem não chegasse a existir.
O senhor usa os diálogos de uma maneira não-convencional, intercalando-os na narração. É uma maneira de forçar a inteligência do leitor?
As raízes do meu discurso escrito estão na fala de todos os dias e na necessidade que sinto de transmitir uma sensação de totalidade integradora em que o diálogo é somente um elemento do espaço em que decorre. Sou consciente de que essa totalidade é impossível de alcançar, mas isso não significa que não o tente em cada página que escrevo.
Podemos dizer que o senhor se obriga a passar pelo viés da ficção para escrever ensaios?
Sou um romancista que não quer nem saberia limitar-se a contar uma história, por muito interessante que fosse. Preciso de mostrar todas as conexões possíveis, as próximas e as distantes, de modo que o leitor compreenda que, estando a falar de um elefante, por exemplo, estou a falar da vida humana. É a atitude do ensaísta. Deste ponto de vista, não vejo qualquer contradição entre o romance e o ensaio.
O senhor agora tem um blog. Esse novo meio pode ser considerado literatura?
Não creio. A literatura é o resultado de um diálogo de alguém consigo mesmo. Mas tem um aspecto muito positivo. Pôs a escrever pessoas que provavelmente nem nisso tenham pensado. Não é pequena coisa.
O que o motiva a lutar por suas idéias?
Precisamente as minhas idéias, tanto na atividade literária como na social ou cívica.